sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CRÍTICA: ‘Afinal, o que querem as mulheres?’: a pergunta continua.


Um psicanalista me disse uma vez que nós somos, sempre, todas as nossas idades. Para ilustrar, mencionou a cena de um filme em que uma tropa de soldados entra num campo de batalha. Diante do terrível medo de morrer, todos eles, sem exceção, chamavam pela mãe, como se fossem ainda crianças.

A batalha de André Newman (Michel Melamed), no penúltimo episódio de “Afinal, o que querem as mulheres?”, é parecida. Novamente como num sonho, reencontra o pai, Romeu (Tarcísio Meira, num desempenho antológico), mas o vê com os olhos de um menino: idealizado, vestido de cowboy do Velho Oeste. Entre as canções escolhidas para a bela sequência, está “Que será, será”, em que uma mulher ouve dos filhos a pergunta que ela própria costumava fazer à mãe: como vai ser o meu futuro?
Depois do reencontro com o pai, Newman já está no casamento da mulher ideal, Lívia (Paola Oliveira), mas ele só a vê embrulhada em papel celofane, uma “mulher-para-presente” que o personagem nunca consegue alcançar. Em seguida, conversa na porta da igreja com uma menina, e a criança expressa aquela que é uma grande angústia da infância: “Criança não pode fazer nada”, diz ela. E ele responde que pior que isso é não saber o que se quer fazer. A criança replica, sem resposta: “Mas os adultos não sabem?” É como se Newman, adulto, conversasse com ele mesmo, regredido naquela menina. No episódio, Newman segue vagando entre  a queixa por ter sido abandonado (pelo pai-cowboy-herói e por Lívia, a mulher ideal) e a vontade de seguir adiante e crescer. Num almoço, o pai diz, ecoando o desejo de Newman-criança: “A família é o centro de tudo”.
Na mesa, uma cena alusiva a reminiscências de infância, estão o pai, a mãe (Vera Fischer), alguns amigos e o Dr. Klein (Osmar Prado), que anuncia a aposentadoria e convida Newman para assumir a sua clínica. Ele vira o novo chefe da família e autoridade em psicanálise. Enfim, cresce. Trata de Tatiana (Bruna Linzmeyer) como se cuidasse de si: ela o procura porque não consegue mais reconhecer rostos, uma metáfora do próprio Newman, que busca sua própria identidade em meio a tantas lembranças. Na cena seguinte é Freud quem aparece, cercado de improváveis parceiros de pôquer: Jung, o herdeiro anunciado que virou inimigo, Reich, outro dissidente, e Lacan, que, ao mudar a psicanálise, se atribuiu o papel de verdadeiro freudiano. Mas não tem para ninguém: Freud puxa para si todas as fichas depois de acertar o diagnóstico de Tatiana. Ao menos em sonho, cura a moça e, ao mesmo tempo, aponta um caminho para o próprio Newman.
Construído o tempo todo em torno de ausências e presenças, este episódio, na verdade, tem um só personagem: o próprio Newman projetado em personas ideais, máscaras sociais, fracassos não superados, amores imaginados, mas que nunca alcançou. No fim, ele reencontra Sophia (Letícia Spiller). Agora, ela não surge iluminada por um sol intenso, exposta na praia, como num açougue. É no escurinho de um cinema romantizado, cheio de casais, como nenhum cinema é mais, que ela pergunta: “Está livre?”.
Luiz Fernando Carvalho surpreendeu de novo ao conduzir com delicadeza e sensibilidade estas viagens em que se regride para avançar. Newman talvez não saiba ainda quem é. Mas, desta vez, tem no rosto aquela expressão de quem se livrou ao menos de alguns fantasmas.
fonte:blog de Patricia Kogut

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